Direção: Bryan Singer
Roteiro: Bryan Singer, Simon Kinberg, Dan Harris, Michael Dougherty
Elenco: James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Oscar Isaac, Nicholas Hoult, Rose Byrne, Evan Peters, Josh Helman, Sophie Turner, Tye Sheridan, Lucas Till, Kodi Smit-McPhee, Ben Hardy, Olivia Munn, Alexandra Shipp, Lana Condor, Hugh Jackman
Duração: 144 minutos
Classificação:
Sinopse: Após Mística salvar o presidente dos EUA das mãos de Magneto, virou um símbolo de resistência, coragem e heroísmo para diversos jovens mutantes ao redor do mundo. Porém, muito tempo no passado, especificamente no quarto milênio antes de Cristo, outro mutante era um símbolo, mas sim de opressão e poder ilimitado. Após ser traído por seus seguidores durante a transferência de consciência “definitiva”, o deus mutante adormece até 1983 sendo liberto por Moira McTaggert durante uma descoberta acidental – uma baita conveniência por sinal.
Com o choque de realidade onde En Saba Nur não é o comandante supremo adorado por todos, logo descobre que o mundo cheio de sistemas e armas atômicas deve ser “purificado”. Para realizar isso, conta com quatro seguidores: Tempestade, Psylocke, Anjo e um Magneto repleto de ódio após ter perdido sua família mais uma vez pelas mãos dos homens. Para salvar o mundo da destruição completa, Xavier se verá obrigado a organizar novamente os X-Men, além de lidar com a dificuldade de coordenar seus novo alunos para a luta: Jean Grey, Scott Summers e Kurt Wagner. Fora isso, também terá de recuperar a confiança há muito tempo perdida de Mística, descrente de toda a causa pacifista que Xavier prega.
Resenha (contém spoilers)
O gênero de super-heróis no
cinema deve muito a Bryan Singer, um dos maiores responsáveis pela retomada ao
lado de Sam Raimi. É simples se recordarmos um pouco da História escrita desde
os anos 1970 quando Richard Donner e Christopher Reeve mostraram que o homem
podia sim voar. Entretanto, após dois grandes filmes, o gênero viu o quão ruim
poderiam ser seus filmes. Ainda que houvesse algum sopro de esperança com os Batman de Tim Burton, os super-heróis
foram linchados por verdadeiras bombas com os dois últimos filmes nos quais
Reeve encarnou Superman, além da chegada do nêmese do gênero – a infame fase de
Joel Schumacher na direção dos últimos Batman
dos anos 1990.
Em 1998, apesar de irregular, a
chegada de Blade aos cinemas ofereceu
nova chance para realizarem um trabalho ótimo com super-heróis na sétima arte. Isso
aconteceu dois anos depois, em 2000 com o primeiro filme dos X-Men comandado por um suspeito Bryan
Singer. O sucesso foi estrondoso para um blockbuster
considerado barato – 70 milhões de dólares. De um modo ou de outro, Singer e
seus ex-humanos deram segurança para outros estúdios investirem em adaptações
próprias revirando o baú dos direitos autorais de uma infinidade de heróis que
a Marvel havia vendido nos anos 1990 para não ir à bancarrota.
Ao mesmo tempo que recebemos
obras excelentes como Homem-Aranha,
Homem-Aranha 2, 300, Batman Begins, O Cavaleiro das Trevas, Watchmen, Homem de
Ferro e Hellboy 2, muitas obras
abomináveis conheceram a luz do dia também. A grande ironia se dá justamente
com a Fox, o estúdio que apostou em Singer duas vezes culminando no ápice da
franquia com o praticamente impecável X2,
também foi o responsável por trazer os filmes mais vergonhosos da década
passada. A lista é longa: X-Men: O
Confronto Final, Wolverine Origens, Elektra, Demolidor, A Liga Extraordinária e
os dois Quartetos Fantásticos. Uma
bizarra própria caixa de Pandora onde foi a Esperança quem escapou primeiro.
Pela segunda vez nesse primeiro
semestre de 2016, temos mais um longa do gênero que foi muito mal recebido pela
crítica internacional e que dividirá o público com toda a certeza. Seguindo a
tradição formada, fui cometido de tremenda simpatia por Apocalipse, mas admito que a interpretação que trata esse filme com
desdém também tem sua parcela de razão.
A grosso modo, há um repeteco de
dramas e situações já vistas nos outros sete filmes X-Men. Isso pode irritar quem tem uma memória invejável, porém, ao
mesmo tempo, é uma aventura que fundamenta definitivamente a história de origem
da equipe mutante enquanto trabalha com a possibilidade do universo paralelo
originado graças aos eventos de DOFP.
Muito do drama típico dos X-Men é deixado de lado dando vez para mais humor. Os
eventos apocalípticos também têm um peso muito menor. Ao fim do filme, parece
que vivem em uma utopia com poucos homens e mutantes maus. Essa mudança de ares
agradará alguns e certamente deixará outros bastante decepcionados.
Ironicamente, apesar de ser
considerado um disaster movie pelo
próprio Bryan Singer, o roteiro de Simon Kinberg não falha em detonar certo
escopo menor e mais intimista do que o visto em Dias de Um Futuro Esquecido. Isso se dá por conta da representação
da ameaça de Apocalipse, um vilão eloquente e orgulhoso que nunca se revela ao
mundo, algo bastante bizarro se levarmos em conta o passado no Egito antigo
quando era considerado uma divindade. Um vilão megalomaníaco que sempre prefere
agir pelas sombras.
Aliás, o maior problema desse
ótimo longa reside quase que inteiramente no núcleo dos antagonistas. É
louvável que o roteiro não tenha escolhido o caminho fácil de fazer com que
Apocalipse tenha a habilidade de controlar seus seguidores através de um poder
mental ou lavagem cerebral. O seu maior poder, na teoria, é a persuasão, ou
seja, ao contrário de um deus bondoso, se porta mais como um demônio sedutor
distribuidor de falsas riquezas – algo excelente, mais uma vez. Porém, com essa
ideia tão boa, é impressionante a falta de habilidade de Kinberg em colocar
isso na prática através de diálogos, drama e motivações competentes. Tudo é
medíocre quando senão porco, no caso de Tempestade.
Quando Apocalipse se põe a falar
pela terceira vez, é impossível não sentir que há algo de errado ali. O vilão é
um disco arranhado, vociferando sempre a ameaçadora frase “Everything they’ve built will fall! And from the ashes of their world
we’ll built a better one! ”. Claro, é uma frase de efeito excelente que
revela alguma motivação turva para este confuso personagem, porém repeti-la
tantas e tantas vezes ou lançando outras contendo a mesma mensagem é limitar um
vilão que poderia ter sido um dos melhores que o gênero já viu nas telonas.
A representação simbológica mais
que clara para Apocalipse funciona, mas a interação dele com seu grupo de
seguidores ou até mesmo o embate ideológico sempre tão presente na franquia X-Men, acaba raquítico em Apocalipse. Sua guerra contra os
sistemas políticos dos anos 1980 é rápida e polida demais. Essa fraqueza de
diálogos razoáveis permeia o filme inteiro nessa nova proposta mais light e aventuresca.
Apostando muito nesse cerne de
síntese da destruição, Apocalipse é prejudicado por falta de clareza em seus
objetivos. Seu plano maléfico muda de rumos inexplicavelmente no começo do
terceiro ato, afinal qual a razão de não explodir o mundo inteiro com as bombas
atômicas que ele lança para o espaço para logo depois mandar Magneto
desestabilizar o planeta e seus polos magnéticos que também culminaria em uma
destruição em massa?
Mesmo se mantendo e agindo nas
sombras, o personagem só ganha ares ameaçadores por conta da atuação cheia de
presença de Oscar Isaac. Apesar de não criar muito, o ator acerta em manter o
personagem sereno na maioria do filme. Um ser racional, pouco emotivo e cheio
de pragmatismos. Nos primeiros atos, o vilão não fica ponderando, ruminando
besteiras ou filosofias. Ele simplesmente age. Porém isso começa a mudar quando
o roteirista apresenta o “dom” da persuasão para convencer os outros
antagonistas a virarem seus seguidores.
Em grande maioria, são momentos
falhos sendo o de Tempestade o pior, pois Kinberg aposta em algum
desenvolvimento com a personagem. É interessante o longa traduzir ela como uma
sobrevivente desde cedo, vivendo com nenhuma regalia, roubando para comer, além
de deixar claro que ela possui algum senso de justiça inspirado diretamente nas
ações de Mística no filme anterior. Colocado isto, é absurdo Kinberg e Singer
passarem um pano nesse estabelecimento moral para a personagem apoiar um
mutante bizarro nada simpático que tomará ações genocidas no decorrer da
história. Pior ainda é a catarse de Tempestade vir somente após Apocalipse
sufocar Mística, sua ídolo. Fora ter chamado de “inútil” seu outro seguidor já
morto, Arcanjo. Matar milhões de inocentes aparentemente não basta para acordar
a heroína à realidade. Se era para ter essa transformação ou desenvolvimento de
personagem, era melhor não ter nenhum. Colocassem ela como mera coadjuvante
como fora em todos os filmes anteriores.
Mesmo errando muito com Tempestade,
Kinberg não vacila tanto por não inventar alguma evolução para Anjo ou Psylocke.
As motivações dos dois são muito rasteiras, seduzidos apenas pela promessa e
entrega de mais poder dado por Apocalipse – essa habilidade de intensificar as
mutações dos personagens é interessante. Ambos entram e saem calados de cena
dando margem para criação zero na atuação de Ben Hardy e Olivia Munn que se
limitam a fazer poses bonitas e poderosas.
No que há de realmente bom em
Apocalipse é a sina amaldiçoada do deus. A ironia fina de sempre cair,
fracassar, ao ser traído por seus seguidores. Na primeira vez pelos inferiores
humanos e na segunda, por seus súditos mais fiéis. Um arco irônico bem alocado.
Além disso há alguma margem de exploração logo arrefecida com Magneto que
possui o arco mais interessante do filme.
Após tantas obras, é difícil
criar algum ineditismo para o sofrido personagem, porém os roteiristas têm
sucesso em Apocalipse. Apesar de ser
um núcleo previsível, telegrafado, é interessante ver a nova identidade de
Magneto convivendo em paz com sua família nas entranhas da Polônia levando o modo
de vida menos destrutivo que Xavier pregava desde Primeira Classe. Obviamente, a família dele morre, acidentalmente,
despertando o latente rancor e ódio que ele sente pelos homens. Ao questionar
Deus sobre sua verdadeira natureza, eis que surge Apocalipse com a resposta. É
um jogo tão bem feito quanto o da traição que a divindade sofre. Simples e bem
pensado. Aliás, é ótimo notar que o vilão não ativa fisicamente o verdadeiro
potencial de Magneto, mas apenas direciona sua concentração. Eis que temos a versão
mais forte, perigosa e ameaçadora do mutante até agora.
Além disso a simbologia da
destruição de Auschwitz é intensa. Ao destruir o maior memorial do sofrimento
judeu na História, Magneto põe em prática a velha máxima: “o povo que não
conhece sua história, está condenado a repeti-la”. Isso é a essência da
concepção do personagem desde os quadrinhos que foi tão maravilhosamente
adaptada e desenvolvida ao longo de seis filmes. Um rapaz que sofreu com os
horrores da intolerância e genocídio para se transformar exatamente no que mais
repudiava – apesar do vilão oscilar no seu nível de carnificina, o discurso
permanece.
Nisso há a origem dos pontos
positivos do roteiro. Essa nova trilogia que virá, pelo jeito, caminhará por
rumos muito diferentes do que vimos na primeira. Tudo graças aos eventos de DOFP. Agora nessa realidade paralela, os
mutantes não sofrem tanto com o preconceito, apesar de ainda existir, velado.
Os vilões passam a trabalhar para o bem. E o drama trágico se esvai quase que
completamente. Certamente é uma faca de dois gumes, pois direciona a franquia
para terrenos amistosos e mais seguros.
Kinberg trabalha com menos
personagens com a intenção desenvolvê-los de ponta a ponta com qualidade
narrativa. Nisso temos: Mística, Xavier, Magneto, Jean Grey e Scott. Logo fica
mais simples de analisar o texto. Personagens secundários são tratados como
tais. Às vezes como conveniências de história com Moira McTaggert ou como
instrumentos de soluções rápidas através de Noturno, Fera e Mercúrio – também alívios
cômicos.
Para conseguir estabelecer isso
com firmeza, o roteirista investe muito tempo de desenvolvimento até mais da
metade do longa – a história somente acelera após a majestosa corrida de Mercúrio
na Mansão X. Logo, as cenas de ação acabam seletas destinadas mais para a
metade do segundo e terceiro atos. Por se tratar de um grupo multi
protagonista, Kinberg consegue equilibrar bem o tempo de tela de cada um para
criar suas interessantes histórias individuais.
Com Mística, vemos ela trabalhar
para salvar mutantes que vivem em condições sub-humanas enquanto reluta em
aceitar que tenha virado um símbolo de esperança e inspiração para seus
semelhantes. Já que nunca matou Trask, é coerente que ela sofra a catarse final
e finalmente abrace sua identidade benevolente, porém, também conseguindo mudar
a opinião de Xavier a respeito da ressurreição do projeto X-Men. Realiza seu
sonho de preparar mutantes para a luta com a aprovação do Professor X.
O de Xavier é relacionado
diretamente com o de Magneto, pois se trata enfim da conclusão do desdobramento
visto desde Primeira Classe. Amigos
de ideologias distintas que voltam a se respeitar e conviver após a redenção
catártica de Magneto que rende um momento que é brega e bonito ao mesmo tempo. Além
disso, há alguma evolução no núcleo romântico com Moira, além de vermos seu
grande companheirismo e compreensão com seus alunos.
A diferença central de Xavier de
James McAvoy para o de Patrick Stewart se faz clara nesse filme, após ele
entender a necessidade de preparar os mutantes para a luta, já que Apocalipse traz uma batalha onde
pouquíssimos estão preparados para agir sob pressão, além de não saberem lidar
com a responsabilidade vinda com seus poderes. Nisso, a catarse de Xavier se dá
em compreender o discurso de Magneto replicado por Mística, de não controlar os
poderes, de usá-los para o combate. Ao meio do filme, há até um espelhamento
com Apocalipse no sentido dele procurar o melhor para os mutantes e em
acreditar nos seus poderes.
A síntese disso tudo se dá em
dois momentos. Pela primeira vez vemos um Professor X declamando em alto e bom
som para Jean Grey liberar a plenitude de seu poder perigoso da Fênix. Antes
disso, também ordena a destruição completa de Cerebro para Destrutor quando o
aparelho fica comprometido por Apocalipse.
Por isso há esse misto de
repetição no conflito de Jean por mais que sua conclusão seja diferente da
vista em X2 e X3. Os pesadelos premonitórios, o medo crescente de seu poder
sombrio incontrolável, os diálogos com Xavier estão presentes aqui mais uma
vez. Porém ver a personagem ser tratada com preconceito pelos próprios colegas
de escola, além de germinarem a amizade com Scott é algo deveras bem pensado.
Ambos são unidos por não terem controle total de seus poderes. Também é através
do núcleo jovem constituído por eles, Noturno e Jubileu – personagem alegórica,
temos os momentos tão clássicos e descontraídos da franquia, além de explorarem
o lado adolescente de cada um deles. Também com Jean, em um momento bem
inserido na narrativa, há uma conexão bela com Wolverine.
Sophie Turner consegue criar
facetas diferentes para sua Jean puxando, por vezes, algumas características de
Sansa. A jovem Jean é cheia de inseguranças, guarda algumas mágoas e tem medo
de ferir quem ama. Também enriquecendo o personagem, há a interpretação
vigorosa de Tye Sheridan nos mostrando um Scott rebelde e impaciente. A
transformação dele se dá por conta da morte de Destrutor, seu irmão, que também
fortalece os laços de amizade com Jean em seu momento de luto. Há fagulhas do
surgimento do espírito de liderança e alguma aversão à Wolverine.
Na conclusão, onde vemos Magneto
usar seu poder finalmente para construir, há a repetição diálogo entre ele e
Xavier que já foi apresentado ao final de X-Men
de 2000. Entretanto, é legal notar no contraste entre as duas situações onde o
diálogo é inserido. Aqui, não há prisões de plásticos, os dois não são rivais
já na terceira idade, o ódio está adormecido. Ainda que contenha a mesma ideia,
há de se levar em conta a situação totalmente oposta à apresenta no primeiro
filme.
Todos as narrativas que permeiam
estes personagens são boas o suficiente para não deixarem o filme arrastado já
que despertam o interesse do espectador, aliviando a necessidade de muitas
cenas de ação. Kinberg dosa bem o humor do filme nunca quebrando a tensão ou um
momento dramático, porém abusa muito de diversos momentos de exposição
desnecessários. Por exemplo, quando Magneto começa a destruir o planeta, um especialista
do governo explica o que ocorre e diz que morrerão bilhões. Imediatamente
aparece outro personagem que declama o óbvio: “Ele está falando do mundo inteiro!
”. Outras personagens que abusam da exposição são Jean e Moira. Também há o
problema crônico do gênero em relação à previsibilidade. O filme não conta com
reviravoltas surpreendentes, porém todas têm certa lógica.
Kinberg também ignora
completamente a que fecha o filme anterior ao sugerir que o resgate de
Wolverine foi feito por Mística disfarçada de Stryker, algo totalmente
desnecessário. Então se alguém esperava uma resposta para isso, certamente
ficou com as mãos abanando. Fora isso, o drama mal-acabado de Mercúrio é algo
irritante, pois nota-se que isso foi arquitetado apenas para guardar uma
revelação que amolecerá o coração de Magneto em algum próximo filme. Serve como
motivação sim, mas de conclusão rasteira. Apesar disto, nota-se que há alguma
coragem em limar alguns mutantes durante a aventura: Destrutor e Arcanjo. Mesmo
sendo personagens descartáveis, os momentos são relevantes para surtirem
reações e desenvolvimento de outros mutantes.
Na direção, temos o retorno do
eloquente Bryan Singer que prova, mais uma vez, como tem tesão em dirigir os
filmes do grupo superpoderoso. Já é clara a pegada distinta dos filmes MCU logo
nos primeiros minutos de projeção. É impossível não vibrar com a cena inicial
que apresenta Apocalipse no Egito antigo se preparando para um ritual de
transferência de consciência para um mutante que tem habilidades regenerativas
conferindo a imortalidade desejada pelo vilão.
A ação é visceral, o golpe que
logo seria apresentado é enquadrado por planos sutis dentro da montagem
orgânica. E, enfim, vemos violência gráfica intensa. São soldados e mutantes
prensados por rochas gigantescas, sendo derretidos, desintegrados, incinerados
e até mesmo quebrados inteiramente até virarem uma bola de carne e ossos.
Confesso que o choque inicial foi tão intenso quanto a morte dos heróis para os
Sentinelas em DOFP. Então, logo após
essa sequência intensa, somos presenteados com a melhor vinheta animada que
apresenta o nome do longa.
Singer traz um panorama da
História da humanidade desde o Egito antigo para traduzir o tempo que
Apocalipse fica adormecido. Passamos pelo império Romano, a Paixão de Cristo, o
Renascimento, a invenção da economia moderna, o republicanismo, a exploração
das ferrovias, as Guerras Mundiais e o aprimoramento da aviação, a ascensão e
queda do Nazismo e a permanência do Comunismo para enfim chegar na Paz Atômica.
Tudo isso acompanhado do tema clássico e viciante que foi apresentado em X2 como tema musical do grupo mutante. É
uma das marcas autorais de Bryan Singer para a franquia. Inegável dizer que não
funciona.
No geral, Singer continua
tratando a forma cinematográfica com afinco artístico notável. Peço perdão aos
fãs do MCU, mas Singer leva o visual de seu filme muito a sério – algo mantido
de Dias de um Futuro Esquecido com o
retorno do diretor de fotografia Newton Thomas Sigel. Esqueça a concepção
artística chapada e estéril que conferimos em Deadpool ou Guerra Civil
e até mesmo os tons dessaturados e monocromáticos de BvS. O que impera em Apocalipse
é a cor saturada, as altas luzes e a personalidade fotográfica algo que
glorifico de pé, pois tendo estudado o campo da cinematografia com afinco, é
muito decepcionante ver tantos filmes do gênero tratando esse setor da arte
cinematográfica de modo nada inspirado.
Logo, de longe, temos um dos
filmes de heróis mais carregados de simbologias vindas pelas cores neste ano.
Os momentos não são seletos, mas me limitarei a três. O primeiro deles se dá
durante o sonho premonitório de Jean que é relacionado com o despertar de
Apocalipse. Tanto Jean quanto Xavier são iluminados por uma forte luz azul,
indicando já que o vilão teria ampla dominação dentre os mutantes, incluindo em
sua própria casa. Algo que se prova acertado já que a Mansão X é destruída em
decorrência da invasão da trupe maléfica no Cerebro.
Depois, quando Magneto pretende
fugir da Polônia com sua mulher e Nina, sua filha, temos novamente o uso
inteligente do contraste amarelo com o azul – o fotógrafo aposta muito nesses
tons já muito consagrados para tornar as metáforas visuais eficientes. O quarto
onde Erik junta as coisas na mala recebe luz amarelada indicando um falso
sentimento de segurança enquanto Fassbender leva uma suntuosa luz principal
azulada com sombras muito bem modeladas. Aqui, já indica os rumos sombrios que
atingirão o personagem em poucos momentos quando o policial mata sua família –
pontos pela condução sensacional de Bryan Singer na decupagem dessa cena,
colocando com sutileza através de um slow
motion para denotar o descuido e distração do homem que dispara a flecha. A
mesma luz azul que permeia o rosto de Fassbender também é compartilhada no
quarto deserto de Nina. Na floresta, os tons coloridos morrem para darem lugar
ao cinza granulado opaco.
Por fim e, talvez, o mais
significativo se dê com o primeiro contato de Xavier com Magneto através do
Cerebro. Novamente o núcleo antagonista está no mesmo armazém de Arcanjo. O
fotografo, brilhantemente, usa exatamente a mesma configuração do jogo de luz.
Diversos pontos azulados azimutais que preenchem o espaço inteiro, menos em um
ponto, usando a contraluz bem forte, amarelada de um Fresnel praticamente
colocado no chão. Quando Xavier chama Magneto, ele vira para a luz amarelada
que ilumina seu rosto indicando a fagulha de esperança que o professor
representa, tentando salvar seu amigo da escuridão azulada que preenche
Apocalipse e seus cavaleiros. Ao fim da dialogo, Magneto dá as costas para a
luz amarela, Xavier, e passa a receber a luz azul lúgubre como key light. Ali, toda a esperança de
persuadir o velho amigo a mudar de lado morre com a escolha pessimista de Magneto.
Como havia dito, não é somente
através do contraste amarelo-azul que o Singer e o cinematografista conseguem
elaborar fortíssimas metáforas visuais. O uso demarcado da contraluz “divina” é
presente em diversas cenas com Apocalipse entre outros tantos recursos.
Já sobre decupagem geral, não há
o que reclamar. Singer movimenta a câmera com elegância, cheios de
enquadramentos sempre bem compostos elaborando até mesmo alguns planos
holandeses que funcionam perfeitamente para apresentar Jean Grey no clímax psicológico
entre Xavier e Apocalipse. O eixo da câmera se estabiliza assim que a telepata
entra em cena, já indicando os maus lençóis que o vilão estaria em poucos
instantes. Aliás esse clímax que se passa na Mansão X imaginária é uma das
poucas ideias verdadeiramente originais neste Apocalipse. Um confronto emblemático que se explica por si só. Ai
de quem for procurar briga na escola de Professor Xavier. Dito e feito.
Aliás, é isso que separa Singer
dos pequenos para os grandes diretores audiovisuais. Sabendo da megalomania que
seu filme traz intrinsicamente, ele sabe criar momentos verdadeiramente épicos.
A já comentada introdução e vinheta são colheres de chá perto do que ele faz
novamente com Mercúrio em uma cena típica do “maior e melhor”. A sequência do
sequestro de Xavier que culmina na explosão da escola é interrompida no melhor timing possível para vermos outra vez o
velocista fazer graças e salvar o dia com sua supervelocidade. Singer explora
mais situações cômicas, movimentos de câmera mais interessantes, elabora
planos-sequência complexos, além de escolher outra canção que encaixa como uma
luva para colorir a ação: a clássica oitentista do Eurythmics, Sweet Dreams.
A sequência é tão fantástica que
certamente te deixará num extase que dificilmente ocorre com frequência no
cinema. Mesmo sendo uma repetição de algo que já havia nos deixado boquiabertos
em Dias de um Futuro Esquecido com a
junção tão perfeita de técnicas cinematográficas e efeitos práticos e digitais,
é impossível permanecer indiferente. Só de comentar aqui já me deixa com
vontade conferir novamente o trabalho realizado com maestria. Não só a
coreografia é animal, mas também por ser muito divertida. De longe, está na
minha rigorosa seleção de melhores cenas do ano.
O mais surpreendente é que Singer
entrega não somente essa sequência fenomenal, mas sim duas! Antes dela, o
diretor se coloca à prova ao usar o maravilhoso segundo movimento da Sétima
Sinfonia de Beethoven. Apesar da composição ser tão magnifica a ponto de elevar
uma cena onde poderia exibir um indivíduo passando manteiga no pão, fazer com
que ela funcione de modo verdadeiramente correto é uma tarefa que exige um
esforço intelectual notável.
A sinfonia é encaixada quando
Oscar Isaac e seu Apocalipse tem o momento mais alto no longa, ao declamar seu
monólogo tenebroso enquanto invade o Cerebro, possui Xavier e assim comandando
diversos soldados que lançam todos os mísseis do arsenal atômico das nações,
literalmente, para o espaço. A junção de planos que acompanha toda essa ação é
elegante, talvez o momento mais inspirado para essa técnica no filme mesclando
o terror de Xavier, a pompa de Apocalipse, o medo dos humanos comuns, a
incredulidade dos comandantes de altos escalões, da possessão dos jovens
soldados, dos mísseis sendo disparados, além de mostrar algum escopo de
destruição. Por mais que seja um uso espetacular, ainda não consegue superar o
clímax sensacional de O Discurso do Rei onde
Tom Hooper também conta com o auxílio poderoso de Beethoven.
Entretanto, assim que a música
cessa, John Ottman e Michael Hill passam a cometer alguns erros grotescos.
Repare que em algum momento, James McAvoy solta um tremendo grito que leva um
corte seco no áudio quando vem um novo plano. Ou seja, sufocam uma ação do ator
por descuido. É algo feio quando notado e que pode tirar um espectador mais
atento do filme. Também há falta de atenção ao alocar tão estranhamente a noite
eterna que acompanha o núcleo Mística-Noturno na Berlim Oriental enquanto com
outros personagens, alguns dias chegam a passar. Os erros de corte não ficam
restritos aí. No clímax reaparecem algumas vezes deixando a ação pouco
inteligível ou fantasiosa demais em certas ocasiões.
Singer também derrapa um pouco ao
não saber fazer o grupo lutar integralmente juntos apostando mais em ações que
acompanham embates um-contra-um. Um deles é particularmente fraco com Psylocke
vs. Fera. O restante é adequado, mas nada tão inventivo como a boa exibição dos
poderes de Mercúrio na luta. A qualidade da computação gráfica oscila muito também
no clímax. Enquanto efeitos de partículas e colisão permanecem bons, a
modelagem dos corpos digitais, principalmente de Psylocke, saltam aos olhos de
tamanha bizarrice. É algo tão tosco que até mesmo o modelo de Olivia Munn fica
completamente desproporcional durante a queda de uma aeronave.
Outras duas áreas técnicas que
são opostas na qualidade são o ótimo design de produção contra a maquiagem
irregular. Grant Major se desvencilha da adaptação fiel de cenários que visam
retratar os anos 1980. É uma mistura adequada do fantástico com o histórico,
auxiliado muito pelo figurino criativo que segue a mesma linha que inclusive
consegue apresentar os looks clássicos
de muitos dos heróis e vilões. Um ponto bem elaborado é reconstrução da base
Stryker no lago Alkali que consegue remeter bem à versão apresentada em X2. Aliás, uma pena terem desperdiçado a
oportunidade de inserir fidedignamente o clássico capacete desenhado por Barry
Windsor-Smith no arco clássico de Arma X na
representação mais animalesca e selvagem de Wolverine que pudemos conferir até
agora.
Já sobre a maquiagem, enquanto
acertam no tom com Fera e Noturno, o design de Apocalipse pode não satisfazer
muita gente. Por conta do passado faraônico, o personagem mantém os mesmos
trajes até a conclusão do longa. Talvez tenha ficado tudo pesado demais e pouco
adequado, mas faz certo sentido para elaborar o choque temporal que deveria ter
ocorrido no texto do filme em seu arco dramático. Aliás, também é um deslize do
departamento não se preocupar em começar a envelhecer os personagens principais
como Xavier e Fera. Já se passaram vinte anos na diegese proposta desses filmes
e muitos mutantes continuam com o mesmo semblante jovial.
Por falar em drama, Singer abusa
e muito do melodrama nessa obra. A linguagem visual, os picos dramáticos e os
atores shakespearianos não poderiam colaborar mais. Ele sabe valorizar bem os
elementos mais densos que o roteiro traz em sua história. No momento mais
trágico na cena destinada à morte dos familiares de Magneto, Singer valoriza a
atuação monumental de Michael Fassbender através de planos muito aproximados da
face do ator que exprime sua tristeza com fúria.
Talvez o momento mais brilhante,
tanto de Fassbender quanto de Singer, se dê justamente quando Magneto destrói Auschwitz
levando seus poderes a novos patamares. Em mais um monólogo repetitivo de
Apocalipse, Magneto passa a explorar a total extensão de sua mutação – genial o
lance do departamento de computação gráfica em traduzir os movimentos dos
metais movidos por Magneto como a representação gráfica cientifica do
eletromagnetismo. Nesse momento de total concentração, a sutileza de Singer dá
as caras novamente.
Enquanto o vilão move montanhas
de metais, flashs de memórias
terríveis e alegres interpolam com a ação remetendo a lição que Xavier ensina
para Magneto em Primeira Classe quando
ele tenta movimentar a gigantesca antena – o exato limiar entre a serenidade e
a raiva. É algo sutil que apenas alguns espectadores vão captar. Não é
Apocalipse quem desperta o poder máximo de Erik, mas sim seu amigo Charles
Xavier – algo que condiz com a escolha benevolente de Magneto ao salvar sua
família X-Men da morte certa. Aliás, Singer une Apocalipse com Primeira
Classe diversas vezes através de flashbacks.
Aqui fica claro que a trilogia de estabelecimento do grupo acabou, assim como a
maior parte de seus dramas.
Também no melodrama, o diretor
valoriza bastante da atuação de James McAvoy. Outro elemento que elabora o uso
desse dispositivo se dá nas duas partes do clímax. Primeiro, Singer confere
senso de urgência e perigo quando os jovens mutantes começam a lutar contra o
tempo para salvar Xavier de ser possuído pela consciência de Apocalipse para
sempre. Resolvido isto, há o embate psicológico entre os dois. No drama
centrado no diálogo, Singer já elabora toda a pieguice inerente à essa técnica
como o surgimento de Jean no último minuto, o discurso sobre a família e aos
gritos eufóricos de Xavier para Jean “Unleash
your powerrr!!! Let go, Jean! Let Go!!!”. Evidente, é brega, mas há quem
goste de um bom dramalhão que salta para o momento épico e escancarado da
desintegração de Apocalipse ao receber as ondas radiantes da Fênix.
Sendo completamente honesto, eu
simplesmente adorei X-Men: Apocalipse.
Tinha os elementos que eu queria tanto em um filme de herói: um vilão que quer
dominar o mundo, transformações de jornada para os heróis, exploração dessa
nova realidade paralela contrastada com o universo da primeira trilogia, humor
e drama adequados coexistindo em equilíbrio, ação competente, sequências
verdadeiramente memoráveis e cinematografia inspirada. Tudo isso é presente
aqui, porém passada a euforia inicial causada pelo efeito Mercúrio aliada a boa
reflexão, os tropeços do filme ficam mais evidentes fugindo inclusive do campo
do conteúdo para atingir a forma da obra.
As repetições de situações ou conflitos
já vistos em outros filmes podem cansar, apesar de darem certa unidade muito
característica para essa trilogia. O núcleo antagonista é o que mais sofre de
defeitos limitadores e incoerentes do roteiro, a pressa em não desenvolver
melhor outros núcleos também é notória, além do abandono completo de
características que seriam muitíssimos interessantes como a seita que glorifica
En Sabah Nur já no segundo milênio.
Definitivamente um filme muito
satisfatório e divertido que me deixou curiosíssimo para conferir as próximas
obras que Singer planeja junto com a Fox. Se eles se tocarem que as novas
aventuras que surgirem nos próximos anos não precisam, necessariamente, sempre
superar as antigas em questão do escopo e escala de tragédia, teremos filmes
que poderão trazer nova vida ao gênero um tanto já desgastado.
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