Procurando Dory (Finding Dory, EUA, 2016)
Direção: Andrew Stanton e Angus MacLane
Roteiro: Andrew Stanton, Victoria Strouse, Bob Peterson, Angus MacLane
Vozes no original: Ellen DeGeneres, Albert Brooks, Ed O’Neill, Kaitlin Olson, Hayden Rolence, Ty Burrell, Diane Keaton, Eugene Levy, Idris Elba, Dominic West, Bob Peterson
Duração: 97 minutos
Classificação:
Direção: Andrew Stanton e Angus MacLane
Roteiro: Andrew Stanton, Victoria Strouse, Bob Peterson, Angus MacLane
Vozes no original: Ellen DeGeneres, Albert Brooks, Ed O’Neill, Kaitlin Olson, Hayden Rolence, Ty Burrell, Diane Keaton, Eugene Levy, Idris Elba, Dominic West, Bob Peterson
Duração: 97 minutos
Classificação:
Sinopse: Dory agora vive no recife com
Marlin e Nemo, ocasionalmente ajudando o professor Raia como sua assistente.
Porém, após alguns sonhos esquisitos, ela se dá conta de que sua família está
desaparecida. Em um súbito momento de loucura, a peixinha se lança a cruzar o
mar aberto tentando encontrar sua família. A partir de um fragmento de memória,
ela se recorda que eles vivem em um instituto de vida marinha em Morro Bay.
Tentando convencer Dory a ficar no recife, Marlin e Nemo acabam partindo com
ela para uma nova aventura que revelará uma jornada relativamente curta, mas
muito complicada graças a diversos encontros e desencontros.
É com plena certeza que afirmo
que Procurando Nemo foi o filme que
eu mais vi nos cinemas em toda a minha vida. Eu adorava a grandiosa jornada de
Marlin e Dory pelos sete mares repletos de perigos a fim de encontrar seu filho
perdido. Claro que mesmo contando uma história relativamente simples, só fui
encontrar os verdadeiros brilhos da obra depois de certa idade. Ainda é um
marco tecnológico e narrativo para a Pixar. Foi a primeira vez que a equipe
abordou temas muito complicados como a morte, a deficiência e a depressão os
moldando de modo leve e aprazível, repleto de carisma e fofura.
Com a compra da Pixar por parte
da Disney, a política interna da empresa se alterou. Antes levando apenas
projetos originais – com exceção de Toy
Story 2¸ o prisma de negócios mudou com Carros
2 e Universidade Monstros
indicando até mesmo uma crise criativa após uma leva significativa de filme
razoáveis com exceção de Toy Story 3 e
Divertida Mente. Agora, depois de
treze anos, finalmente a produtora lança a tão aguardada sequência de Procurando Nemo. Mas Procurando Dory se aproxima mais da era
de ouro do consagrado estúdio ou cai na safra chamada disneylizada da Pixar? Digamos que é um misto (quase) perfeito
desses dois mundos.
Procurando Dory é um filme importante para quem esperou tanto tempo
por ele, mas certamente é mais importante para Andrew Stanton. Após a recepção
fria da crítica e do fracasso monumental de bilheteria de John Carter, o diretor/roteirista se afastou das telas por quase
quatro anos retornando agora com a sequência de Procurando Nemo. Novamente, assim como no original, seu trabalho é
excelente na construção de seus personagens principais.
A escolha de Dory é bastante
curiosa, afinal não é fácil construir uma narrativa baseada em personagens com
problemas de memória – que dirá uma história voltada para as crianças.
Felizmente, estamos falando da Pixar, estúdio mestre em simplificar o complexo.
O modo que Stanton opta para reconstruir a memória de Dory não foge aos clichês
de filmes baseados nesse tipo de personagens como Amnésia ou A Identidade
Bourne. Dory se recorda de sua família e infância a partir de frases importantes
ou imagens fortes nos jogando diretamente para um ligeiro flashback – te afirmo que não são poucos. O manejo técnico de
Stanton é tão gracioso que o uso recorrente dessa característica não chega a
incomodar, mas sim ajuda a remontar com competência o passado da protagonista
até o fim do filme, literalmente.
Ao contrário de Procurando Nemo, um grandioso filme
repleto de drama melancólico, Stanton opta mais na verve cômica inerente à
personagem. Assim cada filme tem sua própria atmosfera distinta e apropriada
para seus protagonistas. E garanto a vocês, o trabalho é divertidíssimo. De
longe, um dos filmes mais engraçados da Pixar ao lado de Divertida Mente e Monstros
S.A.
Como era de se esperar, muitas
coisas são espelhadas do antecessor. Stanton recria situações do primeiro filme
com frequência – algo que pode te provocar nostalgia ou desapontamento. Isso
vai desde o começo dramático, à algumas emboscadas de outros peixes e até mesmo
a reviravolta principal do filme. Muitos personagens novos também sofrem dessa
repetição que os transformam em misturas ou versões do “universo paralelo” de
cada um deles.
Por exemplo, Hank, o polvo que
auxilia Dory a se movimentar entre as exibições do instituto marinho é bastante
parecido com Gil. Um pouco mais cínico e ácido acompanhado de uma motivação que
só se diferencia por ser exatamente a oposta do peixe do filme anterior –
enquanto Gil ansiava para voltar ao mar, o molusco antissocial faz de tudo para
entrar em cativeiro. Entretanto, por mais surpreendente que pareça, Hank é um
dos personagens mais interessantes e legais do filme.
Como Stanton explora mais a fundo
uma narrativa carente de antagonista, Hank “preenche” esse espaço, mais se
assemelhando mais como um anti-herói do que um vilão propriamente dito. Já que
sempre contracena com Dory, as suas cenas são impagáveis justamente por conta
do roteirista trabalhar tão bem os dois personagens antagônicos em diálogos
enérgicos. Dory, sempre sonhadora, otimista e alegre enquanto Hank permanece
rabugento, irritadiço e impaciente. Uma dicotomia manjada, mas encantadora.
Os outros novos personagens,
Destiny e Bailey são meramente coadjuvantes cumprindo a tabela de carisma
deixada pela ausência do tubarão Bruce – nem todos os peixes do clássico
retornam aqui. Talvez o único revés que o longa comporta, além da repetição de
temas e situações, é o trabalho com Marlin e Nemo. Diante dessa quantidade
enorme de personagens, a narrativa dividida entre os pontos de vista de Dory e
Marlin acaba prejudicada, já que os peixes palhaço ganham pouco espaço na
sequência. Muito disso se deve a interação nem tão interessante entre pai e
filho, mas há certo trabalho de desenvolvimento de personagem para Marlin.
Mas há muito mais do que os olhos
podem ver aqui em Dory. Stanton
insere o drama rotineiro de busca assim como frisa as características
psicológicas conturbadas de seus personagens. Repare que diversos personagens
buscam algo ou alguém: Dory busca seus pais, Nemo e Marlin buscam Dory, Hank
busca uma vida confortável e livre de perigos no cativeiro, Bailey tenta
resgatar seu sonar há muito tempo perdido que por sua vez complementará a
deficiência visual da simpática tubarão baleia Destiny. Não só isso, assim como
em Nemo, quase que totalmente todos
os peixes comportam características de mazelas psicológicas: Dory tem seu
problema de perda de memória recente, além de ser marcada por episódios
maníacos – Stanton pende para o drama do “Alzheimer” nas cenas mais densas no
drama, Marlin é inseguro ainda resguardando certa melancolia em episódios
depressivos e Hank, apático de personalidade paranoica, além de outros
personagens maníacos possessivos ou psicóticos que dão as caras no longa.
Fora os distúrbios psiquiátricos,
Stanton também delineia as dificuldades sobre a deficiência física seja com
Destiny e sua visão comprometida, com Bailey e seu sonar defeituoso e até mesmo
com Nemo, embora com o pequeno peixe-palhaço nada é frisado como no primeiro
longa. Porém, ao contrário de trabalhá-los com uma narrativa expansiva como a
de Nemo, ele prefere inserir Dory
como uma personagem aglutinadora que une tudo e todos. O discurso inteiro evoca
união, companheirismo, laços de amizade e, acima de tudo, lança aos céus a
importância da família – inclusive com simbologias visuais emocionantes. Aliás,
importância esta que o diretor vem trabalhando desde Nemo. O laço familiar de Dory com seus pais, Hank, Marlin e Nemo é a
força maior desse longa.
A técnica apresentada por Stanton
e sua equipe em Procurando Nemo foi
um marco visual tecnológico. Até hoje, o longa é belo com animações e texturas
que não envelhecem. Diante disso, a equipe tecnológica da Pixar recebeu um
desafio monstruoso ao atualizar efeitos atemporais. E conseguiram, com alguma
margem de refinamento, sim. A verdade é que o trabalho gráfico de Nemo e Dory são bastante similares alterando ou aperfeiçoando algumas
coisas. O mais evidente é o trabalho espetacular que fizeram com a animação do
polvo Hank. Seja nas expressões cínicas sempre reforçadas pelas sobrancelhas,
pelo movimento independente de seus tentáculos, no rastro de gosma deixado por
ele enquanto se movimenta, no brilho dos olhos expressivos cheios de alma, na
contração de suas ventosas e até mesmo na estonteante habilidade de camuflagem.
É nele onde a tecnologia mais brilha.
De resto, as diferenças mais se
concentram no uso de profundidade de campo que agora está muito maior
aproveitando detalhes em terceiro plano renderizados com precisão. Até mesmo a
iluminação dinâmica com feixes de luz e luzes cáusticas – as altas luzes que
brilham na areia e que se movimentam com as ondas, estão muito mais definidas e
naturais. De resto, efeitos de física na areia, espirros d’água, texturas de
detalhadas de escamas e dégradés nos peixes também foram um pouco aprimorados.
O diretor movimenta muito mais
sua câmera do que havia feito no filme anterior, trabalha com breves planos
sequência, além de manter os sempre majestosos enquadramentos que marcaram o
primeiro filme capturando toda a beleza marítima e subaquática. Assim como em Nemo, Stanton usa a paleta de cores com
muito afinco assim como a mudança na visibilidade e cor das águas nas quais os
peixes nadam conforme o filme avança – todas refletindo o emocional ou
reforçando a atmosfera da cena.
A melhor metáfora visual, porém,
ocorre durante o ponto crucial da narrativa para Dory quando ela enfrenta um
grande perigo: esquecer de tudo que havia feito até então. O diretor usa
enquadramentos simples, de câmera parada, elaborando planos e contraplanos
apostando no vazio e no sombrio. Quando coloca Dory perto do limiar do
enquadramento, decidindo se parte para o mar aberto ou retorna para a costa com
algas, Stanton nos implica todo a apreensão e sentimento de perigo que a
personagem possa enfrentar caso faça a escolha errada. O mar aberto de água
turva sem nenhum elemento físico é a representação perfeita do vazio do
esquecimento enquanto as algas, ainda que sombrias, firmam raízes para a
segurança. É de uma linha sutil de linguagem que acompanha a obra inteira.
É através dessa técnica que o
diretor também elabora mensagens ecológicas sutis, belas e, mais importante,
nada panfletárias. Com características de cenário, de elementos que os peixes
trombam durante a jornada, ele faz seus avisos sobre poluição dos mares e
implicações de animais em cativeiro. O mote de seu filme é repetido muitas
vezes pela voz de Marília Gabriela (Sigourney Weaver na versão original). O
clímax disso tudo se dá em uma bela sequência em slow motion ao som da clássica What
a Wonderful World de Louis Armstrong.
Depois, ainda se preocupando com
seus personagens e oferecendo um fim muito digno para esta fábula, consegue
unir toda a história de Marlin e Dory de modo cíclico no cenário do paredão –
local que mais incutia medo no traumatizado peixe-palhaço, mas a partir de
circunstâncias muito mais serenas e seguras do que era mostrado no primeiro
filme. Um final realmente belo.
Apesar de ser um filme mais
próximo dos padrões Disney, Procurando
Dory tem muito do espírito que fez a Pixar brilhar por tantos anos e se
consagrar nas artes. As boas ideias, a comédia, o espírito que cativa tanto
adultos como crianças, a belíssima trilha musical de Thomas Newman, as boas
ideias de Andrew Stanton, os personagens carismáticos estão lá, além do ótimo
trabalho da dublagem brasileira. No entanto, Dory é muito mais do que apenas isso. Suas profundas mensagens
definem que a Pixar nos trouxe uma inesquecível história sobre o esquecimento.
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