A Era do Gelo: O Big Bang (Ice Age: Collision Course, EUA, 2016)
Direção: Mike Thurmeier, Galen T. Chu
Direção: Mike Thurmeier, Galen T. Chu
Roteiro: Michael Berg, Yoni Brenner, Aubrey Solomon, Michael J. Wilson
Elenco: Nick Offerman, Adam Devine, Simon Pegg, Jennifer Lopez, Melissa Rauch, Stephanie Beatriz, John Leguizamo, Denis Leary, Josh Peck, Queen Latifah, Ray Romano, Jessie J, Chris Wedge, Wanda Sykes
Classificação:
Sinopse: Scrat, em suas peregrinações
rotineiras para encontrar o encaixe perfeito para sua noz, acaba ativando um
disco voador congelado em um iceberg. Preso dentro da nave, o esquilo parte
para o espaço. Sem saber controlar o dispositivo de modo apropriado, entra em
colisão com diversos asteroides. Nisso, infelizmente, o maior de todos eles
entra em rota de colisão com a Terra. Observando o gigantesco meteoro, Manny,
Sid, Diego, Vovó, Crash, Eddie, Ellie, Shira, Amora, Julian e Buck partem para
tentar resolver o problema que pode levar toda a vida no planeta para a
extinção. Além dessa ameaça astronômica, Manny e Ellie são obrigados a lidar e
conviver com seu genro e convencer Ellie a não se separar de sua família após o
casamento com Julian. Fora isso, um bando de dino-aves persegue Buck
atrapalhando o progresso do grupo até seu destino final.
Resenha
Após o retorno mitológico da turma de Procurando
Nemo aos cinemas, também neste ano tivemos a volta da trupe Sid, Manny e
Diego para as telonas. Porém, desde 2002, muita coisa mudou. Mesmo apresentando
um encantador primeiro filme do qual carrego memorias afetivas queridas, não
consigo negar que a saga foi perdendo notória qualidade, apesar do sopro de
alívio que foi A Era do Gelo 3 após o
péssimo segundo filme. As coisas saíram de seu rumo de vez com Carlos Saldanha
fugindo do núcleo criativo. A Era do Gelo
4, mesmo divertido, era mais um
exemplar de obra fraca e rapidamente esquecível. Este novo A Era do Gelo: O Big Bang não
colabora muito para elevar a franquia para a qualidade de seu primeiro filme.
O pessoal da Blue Sky realmente
está raspando o tacho com o roteiro deste A
Era do Gelo. Absurdamente simples, o texto foi escrito por quatro pessoas –
um número bastante alto considerando a fraca qualidade de sua história. Apesar
da ideia de mandar Scrat ao espaço parecer absurda, ao menos há uma boa
justificativa disso dentro do primeiro filme. Em determinado momento, Manny,
Sid, Diego e o bebê entram em uma caverna congelada onde se deparam com
dinossauros congelados e também uma nave alienígena. Logo, dentro do escopo
maior, sim, mesmo que absurda, a ideia já tinha rendido uma boa piada há
quatorze anos.
Agora, a partir de um esquete de
trinta segundos, se fez um longa de noventa e quatro minutos. Como é de se
esperar, a história é verdadeiramente raquítica na qual é devidamente difícil
manter o interesse com o que se passa na tela, apesar de algumas boas e poucas
piadas inteligentes. A narrativa, mesmo se baseando no absurdo, não cativa
muito bem simplesmente por um singelo motivo que faz toda a diferença: os
personagens estão perdendo sua essência.
Isso é algo muito grave para uma
franquia de cinco filmes até então. É como se víssemos o ogro Shrek virar algo
muito distinto do que ele é. Manny não é mais tão ranzinza, Sid não serve para
muita coisa além de encaixar muitas piadas anacrônicas que envolvem sites de
relacionamento ou outras referências pop
contemporâneas aos anos 2010. Com Diego, talvez tenhamos o núcleo mais empobrecido
do longa inteiro. Os roteiristas não trabalham com interesse nele, o
transformam em um personagem apêndice que não contribui em nada para a
narrativa. Nem mesmo com a namorada Shira, tigresa vinda do filme anterior, há
um algum trabalho inspirado ou diálogos que mostrem um pouco mais do namoro dos
dois. A dupla rende apenas uma boa piada no fim inteiro.
Aliás, de personagens
verdadeiramente úteis para a aventura temos apenas Manny e Buck – muito mais
afetado e histérico do que o visto em A
Era do Gelo 3 – já que se
comportam como os líderes do grupo guiando o resto dos bichos para a montanha
que, segundo uma profecia clichê gravada em rocha, pode ser a solução para
salvar o mundo. O retorno de Buck, a carismática doninha domadora de
dinossauros, já é um peso a mais na quantidade gigantesca de personagens que
esse longa possui. Mesmo com ele, as boas ideias não dão as caras, já que o
intuito do personagem é apenas ser caricato pela graça da caricatura. Graças a
essa reinserção de Buck, ainda surgem mais três personagens que cumprem o papel
desnecessário de antagonistas. Nem mesmo o design das dino-aves conseguem
salvar os novos personagens já que são bastante semelhantes com os raptores
vistos em O Bom Dinossauro.
Também não há carisma ao redor da
família de répteis voadores já que seu plano maléfico de dominação global é
deveras estúpido – algo que até mesmo os roteiristas tentam elaborar piadas,
mas que acabam soando como desperdício de tempo de tela.
Como a jornada até a montanha por
si só não consegue fugir do marasmo – é impressionante a falta de habilidade
dos escritores em conseguirem tornar o gênero generoso dos road movies em algo tão enfadonho – eles inventam um drama clichê e
preguiçoso com Manny, Ellie, Amora e Gavin. É algo tão batido e reciclado que
remonta diretamente às piadas vindas com a relação nada amistosa entre genro
bobão e sogro vigilante mal-humorado já vista na trilogia Entrando Numa Fria. Partidas de esportes que refletem disputas de
egos, situações desesperadoras para desencorajar a noiva a se afastar da
família, a prevaricação pré-casamento, a conquista da confiança, entre outros
clichês tão notórios do gênero estão presentes nesta subtrama nada divertida.
Ainda insistindo em Gavin e
Manny, os roteiristas falham em realmente criar um momento dramático apostando
em algum diálogo mais denso ou até mesmo com Manny, Ellie e Amora. No fim, a
inserção do personagem surfista/skatista de Gavin é totalmente gratuita, nada
inspirada, forçando um conflito bobo que não consegue mover a emoção do
espectador.
Não satisfeitos com o “drama” do
casamento de Amora, a ameaça do meteorito e as trapalhadas das dino-aves
antagonistas, os escritores ainda insistem em concentrar mais dois núcleos no
filme. De tempos em tempos, acompanhamos o ponto de vista de Scrat fazendo suas
trapalhadas no espaço. Felizmente, as passagens são divertidas conseguindo
fazer o humor do filme brilhar um pouco. Porém, é importante frisar que os
esquetes cômicos que o esquilo concentra sempre são baseadas no slapstick, a comédia que vem do
sofrimento físico de outrem. A verdade é que o talento da equipe em trabalhar
com Scrat remonta ao magnífico legado de Chuck Jones com os Looney Tunes,
principalmente na dupla Pernalonga e Patolino. Logo, quem aprecia esse humor,
certamente será recompensado pelas novas piadas.
Como a história que acompanha o
núcleo na Terra é tão raquítica – praticamente só a personagem da avó de Sid
salva o filme, o esquilo astronauta acaba ganhando muito mais tempo em tela. Entretanto,
a partir do momento que isto é notado, é difícil ignorar o sentimento de
vergonha alheia, afinal um filme com tantos personagens apostar tanto em um
esquilo silencioso é um sinal mais do que claro de que essa franquia já não tem
mais nada a dizer.
Já mais próximo ao fim do filme,
temos enfim a apresentação de Brooke, a preguiça fêmea que vive numa caverna de
cristais “zen”, apaixonada por Sid. Aqui, finalmente há a apresentação de uma
boa ideia, mesmo que ela seja cliché e remonte à Cocoon, porém, por total falta de habilidade, o núcleo também se
torna desinteressante e péssimo em questão de minutos. Tudo isso ocorre após a
apresentação de um personagem irritante chamado Shangri-Lhama. Novamente uma
ideia que também nos faz recordar, no decorrer da exibição, de filmes melhores.
No caso, Zootopia.
Mesmo que Shangri-lhama seja
chatíssimo, felizmente, sua participação é curta. O difícil é aturar a dupla
histérica constituída por Crash e Eddie ao longo de quatro filmes. Os gambás
realmente foram concebidos para não evoluírem em nada mesmo com tantas obras.
As piadas são as mesmas, sempre baseadas em escatologias, trocadilhos fracos e slapstick comedy totalmente desprovido
de inspiração.
Na direção do longa, a dupla Mike
Thurmeier e Galen T. Chu, ao menos conseguem levar o filme adiante sem muita
dificuldade. Não chegamos de fato a ficar cansados assistindo à esse novo A Era do Gelo. Ele consegue até mesmo
ser um pouquinho divertido. Mas assim como o quarteto de roteiristas, a dupla
custa a mostrar domínio inspirado com a câmera ou através de enquadramentos
inteligentes.
Tirando um ótimo plano sequência
durante a cantoria para reapresentar Buck aos espectadores, os diretores se
limitam a mimetizar o que Carlos Saldanha já havia feito nos filmes anteriores.
Ou seja, uso intenso de inserções musicais, slow
motion, ótima decupagem para descrever a ação e planos simples de timing cômico correto para desenvolver
as piadas. Ou seja, na técnica, mesmo que pouco surpreendente, o trabalho é
corretíssimo e até apostam em algumas coreografias musicais interessantes.
Na tecnologia da animação, há aqui mais um
exemplar surpreendente de avanço tecnológico. Seja na física que afeta o
cenário durante a chuva de meteoros, na pelugem dos bichos, na exuberante
vegetação, nos cristais translúcidos, no uso impressionante do efeito
tridimensional e até mesmo nas próprias animações fluidíssimas dos animais.
Esse fator da animação ser tão
bem-feita é primordial para que a comédia corporal dê certo. Os destaques ficam
nos personagens que mais dependem desse humor como Scrat, Sid, Crash, Eddie e
Buck. São favorecidos também pela game sempre espetacular que a Blue Sky
apresenta nas expressões faciais para seus animais antropomorfizados.
Assim como a qualidade dos filmes
A Era do Gelo cai gradativamente a
cada sequência, o mesmo acontece com a dublagem brasileira. Não digo do
desempenho dos dubladores que sempre fazem um trabalho bom, mas sim da
localização do texto. Esse filme é, de longe, um dos que mais conta com a
presença de gírias. É uma quantidade realmente absurda a ponto de empobrecer a
língua portuguesa já que, por exemplo, os personagens nunca dizem que precisam
“sair” ou “fugir” de um lugar, mas sempre “vazar”. Além de outras frases que já
tem data de validade como “Tá tranquilo, tá favorável” ou outra besteira do
tipo.
A Era do Gelo: O Big Bang remove toda as dúvidas que os fãs da
franquia poderiam ter: a série está atingindo o fundo do poço. Entretanto, é
óbvio que não se trata de um longa insuportável. Assistir à animação é fácil,
até mesmo agradável – tirando a cena que apresenta o Shangri-Lhama. Mas vejo
que ao contrário de outras franquias de empresas concorrentes, A Era do Gelo foi se infantilizando cada
vez mais, adquirindo retratos ainda mais superficiais apostando em humor
preguiçoso. Como é um longa bastante colorido, bem realizado tecnicamente e,
por vezes, divertido, a obra tem um público seleto muito jovem, o das crianças
que ainda estão na primeira infância. Caso seja um pouco mais velho, fica o
aviso: é bem provável que não se divirta tanto quanto as criancinhas que
estejam na sala de exibição.
Sinceramente, uma pena ver um desenho tão carismático e
cheio de potencial se contentar com tão pouco.
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