Diretor: Patty Jenkins
Roteiro: Allan Heinberg, Zack Snyder, Jason Fuchs
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Connie Nielsen, Elena Anaya
Classificação:
Sinopse:
Diana (Gal Gadot) leva uma vida
pacata como jovem princesa das amazonas da ilha de Themyscira. Ao salvar um
piloto americano chamado Steve Trevor (Chris Pine) que cai na costa da ilha,
acaba se envolvendo em uma missão que a leva aos campos de batalha da Primeira
Guerra Mundial.
Crítica
Nos últimos
anos os filmes de super-heróis receberam novas energias com o lançamento de duas
obras que chacoalharam as bases do gênero: Deadpool e Logan.
Os dois filmes apostaram em uma classificação indicativa mais adulta, na contramão do que era comumente aceito no mercado; o primeiro usando o humor escrachado e auto referencial para tirar sarro do próprio gênero e o segundo usando a violência gráfica e dramas mais densos para explorar temas pouco abordados por este tipo de filme. Mulher Maravilha não chega a ser uma obra tão transgressora como estas duas, porém, ao voltar-se para temas simples e tradicionais e ao apostar numa narrativa mais clássica, acaba destoando dos padrões estabelecidos para filmes de heróis de um jeito todo peculiar, e se coloca como um novo sopro de vida em um gênero tão carente de diversidade.
Os dois filmes apostaram em uma classificação indicativa mais adulta, na contramão do que era comumente aceito no mercado; o primeiro usando o humor escrachado e auto referencial para tirar sarro do próprio gênero e o segundo usando a violência gráfica e dramas mais densos para explorar temas pouco abordados por este tipo de filme. Mulher Maravilha não chega a ser uma obra tão transgressora como estas duas, porém, ao voltar-se para temas simples e tradicionais e ao apostar numa narrativa mais clássica, acaba destoando dos padrões estabelecidos para filmes de heróis de um jeito todo peculiar, e se coloca como um novo sopro de vida em um gênero tão carente de diversidade.
A origem da
personagem e daquele universo fantasioso é apresentada de forma bem sucinta
(incluindo uma bela sequência cuja estética visual remete a pinturas renascentistas)
e, embora o começo do filme sofra um pouco com clichês e diálogos expositivos
demais, é executado de forma honesta e tão concisa que não chega a incomodar. O
desenrolar da história da Diana se encaixa no modelo clássico do “peixe fora
d’agua”, demonstrando o processo de adaptação da personagem ao mundo dos homens,
principalmente sua indignação diante dos padrões sociais machistas e o seu
choque diante dos horrores da guerra. É aí que o filme brilha de verdade, desenvolvendo
a história de forma incrível, dosando de forma perfeita e harmoniosa o humor, o
enredo, o relacionamento entre os personagens e a ação. O humor, aliás, está
inserido no roteiro de forma orgânica, não recaindo nas famigeradas piadinhas
fora de tom que são jogadas no meio da história para causar risos fáceis
(problema que os filmes da Marvel costumam ter frequentemente). Aqui, o humor é
usado como forma de caracterizar os personagens e desenvolver as relações entre
eles, e funciona perfeitamente.
A Adaptação de Diana ao mundo dos homens gera excelentes momentos de humor e críticas sociais inteligentes |
As falhas no
roteiro se encontram basicamente nos vilões que, de tão caricatos e
unidimensionais, parece que foram escritos por outra equipe para outro filme.
Além de se distanciarem completamente dos diálogos tão humanos e bem bolados
dos heróis, as cenas focadas nos antagonistas quebram um pouco ritmo do filme.
Eu me peguei impaciente com vários momentos do general Ludendorff e da Dra.Maru,
querendo logo voltar para Diana, Steve e os outros mocinhos. O terceiro ato
também é problemático, pois volta aos clichês, frases de efeito e exposições
exageradas além de divergir do tom do resto filme. O clímax, porém, funciona e
tem impacto emocional genuíno, jogando as cartas na mesa quanto aos temas que o
filme procurou tratar e assumindo suas mensagens positivas e suas pretensões
morais com confiança e sem medo de soar piegas.
O roteiro ganha
vida através do excelente elenco, que eleva os melhores momentos e consegue
segurar as partes mais frágeis do texto. Alguns destaques incluem Robin Wright
e Connie Nielsen, que estão bem passando a nobreza e austeridade das amazonas e
representando o núcleo familiar da Diana; Lucy Davis, que aparece pouco como
Etta Candy, mas rouba a cena com seu timing cômico e faz falta no resto da
narrativa; Saïd Taghmaoui e Ewen Bremner que também com poucas cenas cativam o
público de imediato com bastante carisma; e é claro Chris Pine, que está
sensacional como Steve Trevor, enriquecendo imensamente a personagem da Diana e
transitando com perfeição entre o drama, a comédia e ação. A química entre ele
e a Gal Gadot é talvez a melhor coisa do filme e aparece cheia de coração e completamente
convincente na tela, dando peso e legitimidade a todos os momentos mais
marcantes do enredo. É o Chris Pine, por sinal, que ganha alguns dos monólogos
mais bonitos e interessantes do filme, e entrega tudo com uma singeleza
tocante.
Mas a estrela é
mesmo a Gal Gadot que tomou conta do papel com uma autoridade e segurança
surpreendentes. A primeira aparição dela em Batman Vs Superman era empolgante e
já demonstrava a presença física e o carisma da atriz em poucos minutos, porém,
não garantia que ela conseguiria carregar um filme sozinha e dar novas
dimensões à personagem. Agora, finalmente protagonizando seu próprio longa, ela
dissipa todas as dúvidas em relação à sua escolha para o papel e se firma como
a melhor personagem desse universo cinematográfico da DC. É sensacional o modo
como a atriz consegue balancear o lado ingênuo e romântico da personagem com o
lado “badass” de mulher forte e independente. Uma atriz menos sintonizada com o
papel poderia facilmente destruir essas pequenas nuances, tirando a credibilidade
da personagem ou falhando em gerar empatia no público, felizmente não é o que
acontece aqui. Acredito que o mérito dessa interpretação também deve ser dividido
com a diretora Patty Jenkins, ela sabe exatamente do que o filme precisa em
cada momento e consegue extrair emoção, leveza, força, inocência, coragem e
rebeldia de uma atriz que não era muito conhecida pelo seu alcance e
diversidade dramática. Acho que não é nenhum exagero colocar a Gal Dagot em uma
lista junto com Robert Downey Jr (Homem de Ferro), Ryan Reynolds (Deadpool), Christopher
Reeve (Super Homem) e Hugh Jackman (Wolwerine) como os atores definitivos para
seus respectivos personagens.
Gal Gadot consegue conferir humanidade à Diana e manter a presença forte e marcante necessária à personagem |
Tecnicamente o
filme também é muito competente, com uma boa fotografia e design de produção.
Destaque para a ilha de Themyscira que, com sua bela identidade arquitetônica,
é concebida como um verdadeiro paraíso idílico grego. A natureza é bem exaltada
através de uma fotografia vibrante e uma paleta de cores que finalmente se
desgarra do batido “sombrio e realista” típico dos filmes da DC, enaltecendo o
azul do céu e do oceano e o verde da vegetação. As cenas no “mundo real”
contrastam bastante com a ilha, com uma paleta mais acinzentada que ilustra bem
a esterilidade da guerra e são enriquecidas por uma boa recriação de época, com
uma cenografia eficiente e belos figurinos.
Themyscira é belamente criada e fotografada |
A trilha sonora
chama atenção por ser bastante expressiva e marcante. Dentro de um gênero que
costumava ter trilhas sonoras tão icônicas como a do Superman de John Williams
ou a do Batman de Danny Elfman, é decepcionante que os filmes de herói
contemporâneos tenham trilhas originais tão discretas e/ou genéricas, e é muito
satisfatório ver o filme da mulher maravilha com músicas que se sobressaem,
enriquecem o filme e grudam na cabeça (o tema principal da personagem tem tudo
para ser um novo clássico).
O filme também
conta com excelentes sequências de ação. Embora em alguns momentos a computação
gráfica seja aparente e usada de forma menos elegante, criando sequências mais
bagunçadas visualmente (especialmente no terceiro ato), nos melhores momentos o
filme consegue equilibrar bem o real e o digital, criando sequências com
coreografias empolgantes e plasticamente muito bonitas, com uma câmera lenta
que parece herdada do Zack Snyder (nos seus melhores dias) e muitos
enquadramentos em que a câmera filma a ação de cima pra baixo, mais um leve
toque da identidade da diretora. A sequência que envolve a Diana atravessando a
“terra de ninguém” entre duas trincheiras e salvando um vilarejo é um deleite audiovisual
e é coordenada de forma tão competente que quase faz valer o preço ingresso por
si só.
A ação tem alguns momentos confusos, mas quando funciona empolga de verdade |
Muito tem se
discutido sobre o fato do filme ser feminista ou não, e, dada a história da
personagem e sua relevância cultural, é uma discussão muito pertinente. O filme
parece consciente de que o próprio fato de existir já é simbolicamente
feminista, sendo o primeiro grande filme de uma super heroína e sendo dirigido
por uma mulher (coordenando uma equipe também composta por muitas mulheres), a
questão da representatividade e do empoderamento está intrínseca na sua
concepção e já seria algo positivo por si só. Mas, dentro da narrativa, o
roteiro aborda questões feministas principalmente através do contraste da
experiência de vida da Diana na sociedade matriarcal de Themyscira com o mundo
dos homens da década de 10 do século XX. A decisão de ambientar a história
durante a primeira guerra mundial se mostra muito inteligente por possibilitar
o exagero do machismo e do conservadorismo, e, embora o filme use esse exagero
e esse contraste constantemente para gerar humor, ao ridicularizar essas
questões acaba gerando reflexões e funcionando como crítica social e política
sútil. Não é um filme escancaradamente transgressor e militante, porém, sua
existência já denota a ocupação de espaços que são tipicamente machistas e
conservadores como o mercado de blockbusters de ação hollywoodianos. Neste
contexto, o filme encontra um equilíbrio bom entre o que é acessível
comercialmente e a integridade ideológica, fincando uma primeira bandeira em um
terreno que ainda precisa ser muito explorado.
Mas é um passo importante para o
gênero e especialmente para a DC nos cinemas. Depois de Esquadrão Suicida
demonstrar uma total esquizofrenia temática e de tom, fruto de intervenções fortes
do estúdio no corte final do filme, é reconfortante ver uma obra tão redonda,
consciente e encantadora como esta Mulher Maravilha. O filme sugere novos
caminhos para a DC no cinema ao investir nessa história de origem clássica com
preceitos morais e éticos simples e bem definidos (não à toa a diretora Patty
Jenkins citou o filme Superman de 1978 do Richard Donner como influência).
O longa acaba remetendo aos quadrinhos
clássicos da era de ouro que eram mais ingênuos e aventurosos, mas carregavam
mensagens universais. A diferença é que aqui este modelo clássico está nas mãos
das mulheres e infelizmente, na realidade em que vivemos, isso já é suficiente
para gerar uma obra subversiva e transformadora.
Por : Gustavo Camargo
Nenhum comentário:
Postar um comentário