Crítica | Velvet Buzzsaw

Título: Velvet Buzzsaw

Direção: Dan Gilroy

Roteiro: Dan Gilroy

Elenco: Jake Gyllenhaal, Rene Russo, Toni Collette, Zawe Ashton, Tom Sturridge, Natalia Dyer, Daveed Diggs, Billy Magnussen e John Malkovich

Classificação:

Sinopse: O dinheiro tomou conta do mercado da arte. Donos de galerias, críticos, artistas e investidores vivem de acordo com as regras do jogo até que um acontecimento fatídico muda tudo. A morte de um pintor desconhecido leva Josephina (Zawe Ashton) a buscar o seu momento de glória. Após pedir conselhos ao famoso crítico Morf Vandewalt (Jake Gyllenhaal), Josephina faz um acordo bilionário com Rhodora (Rene Russo), dona da galeria Haze, para vender as obras do falecido Vetril Dease (Alan Mandell). Após o sucesso de vendas dos quadros de Dease, uma série de mortes misteriosas ocorre. Com a contagem de corpos aumentando, os envolvidos com as obras de Dease vão perceber que há algo de sobrenatural em suas telas.

Dan Gilroy incorpora em Velvet Buzzsaw o seu cinema crítico 


A arte pode ter diversos objetivos. O cinema, como uma forma de arte, absorve essas propriedades podendo ser o que a produção e direção do projeto quiserem. Algumas vezes a sétima arte é usada como meio de contestação, crítica social ou sátira dos problemas do passado e/ou presente. Independente do gênero, as películas ganham a função de colocar o espectador num lugar onde ele deve estar alerta para as questões intrínsecas a narrativa. Assim são as premissas básicas de grandes clássicos que datam desde as primeiras décadas da história cinematográfica. 

Alguns diretos conduzem os seus trabalhos através desse olhar crítico. O diretor e roteirista Dan Gilroy, por exemplo, tem usado as suas obras como uma denúncia de situações cotidianas. Em sua estreia como diretor em O Abutre (2014), Gilroy traz uma crítica ao fascínio da sociedade pela violência e o mercado monetário que isso criou. Seu thriller jornalístico foca em como o público clama pelo gore e até onde alguém é capaz de ir para conseguir esse “furo violento” e, com ele, ganhar dinheiro. Em seguida, o diretor leva às telonas Roman J. Israel, Esq. (2017), uma história sobre ganância e crenças numa sociedade completamente corrompida por bens materiais. O diretor mostra o declínio do seu nobre cavaleiro – de um justiceiro cheio de ideais para mais uma pessoa vendida as normas e padrões mantidas pelo status quo. 

A nova produção dirigida e roteirizada por Dan Gilroy tem, mais uma vez, críticas aos padrões estéticos, econômicos e socias da atualidade como foco da trama. Dessa vez, o diretor utiliza o universo da arte como pano de fundo para uma brutal amostra da apatia, insensibilidade e ganância humana. Velvet Buzzsaw encara a monetização da arte como um mal irremediável que levará todos a um trágico fim. A terceira película de Gilroy estreou semana passada na Netflix e já divide opiniões. O longa produzido pelo streaming teve a sua première no Festival Sundance de Cinema de 2019. 

O desempenho de Gilroy como diretor é interessante. Mais uma vez ele mostrou as suas críticas a sociedade através de imagens belas e impactantes. Por vezes a trama se perde em um emaranhado de cenas esteticamente elaboradas, mas que pouco dizem ao espectador. Os pontos qualitativos de Velvet Buzzsaw estão na superfície. A camada mais exterior do produto tem uma qualidade indiscutível com enquadramentos poderosos, sequências bem elaboradas, uma montagem inteligente e um subtexto extremamente eficiente. Contudo, nem mesmo os números malabarísticos do diretor salvam a confusão formada pelo conteúdo do longa. 

O roteiro, também assinado por Gilroy, é o paradoxo da produção. Ao mesmo tempo que ele elabora uma carta-denúncia a mercantilização da arte e suas consequências relacionadas a apatia social, o roteirista subaproveita a sua história central e as suas personagens. É compreensível e admirável a criação satírica da película, mas isso se sobrepôs a todo o resto da obra. Gilroy deu mais atenção a isso do que a construção de uma narrativa de terror. O subtexto falou (muito) mais alto que o foco central. Por conta disso, é angustiante para o público passar quase duas horas sendo confrontado por questionamentos sem o revestimento dramático necessário. Em contrapartida, existe uma inteligência na escolha das falas de cada personagem/cena que resulta em uma ligação direta com os acontecimentos da trama. 

Apesar dos atores extraordinários que compõem o elenco, os seus talentos não são totalmente explorados pelos problemas do roteiro. As personagens são extremamente superficiais e, por mais que isso pudesse ser um conceito da narrativa, atrapalha o processo de identificação e, consequentemente, os efeitos que o longa desejava alcançar. Jake Gyllenhaal e Rene Russo são os mais bem aproveitados e ambos estão excelentes em suas personagens. É inevitável que o público espere momentos de maior adrenalina e tempo de tela para artistas como Toni Collette e John Malkovich. Mesmo se comparando aos trabalhos do falecido Robert Altman e seu extenso elenco, Dan Gilroy não conseguiu dar oportunidades cênicas aos atores como Altman fazia. 

A apreciação por Velvet Buzzsaw não se deixa abater pelos deslizes do roteiro. Outras partes da produção, como a montagem e a direção de arte, conseguem compensar e trazer o espectador para junto da trama outra vez. O trabalho feito na edição das cenas é espetacular. A brincadeira das paisagens de Los Angeles com as sinistras obras de Dease e a conexão dos diálogos com as imagens são brilhantes. Outro ponto alto da produção é a direção de arte que aproveita a estética do mundo das galerias e da arte e faz um jogo de cores e cenários o qual ajuda a criar a tensão do terror. Ademais, os créditos iniciais são uma obra de arte a parte. A sutileza criativa e metalinguística imbuída aos créditos de abertura iniciam o filme da melhor forma possível.      
 
       Velvet Buzzsaw deixa muito claro para que veio ao mundo. As suas críticas estão evidentes a cada cena dentro dos 113 minutos de tela. A força dessa mensagem talvez tenha sofrido por causa do roteiro. Talvez, se melhor trabalhado o terror e as dinâmicas das personagens, o longa-metragem pudesse alcançar o objetivo de denúncia e ainda ser completo como produto artístico de determinado gênero. Mesmo com discussões importantes da atualidade sendo levantadas – como o sentido da arte, a falta consideração do mercado com a arte e a indiferença e ganância do ser humano – o conceito falou mais alto que o conteúdo do terror psicológico. No meio desse resultado um tanto caótico, o novo longa de Gilroy se firma como uma obra contraditória, porém inteligente e estranhamente cativante. Velvet Buzzsaw é bom, mas ele poderia ser muito mais; ele poderia ser um manifesto satírico do terror.

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