Tarantino: Uma homenagem a arte de interpretar a vida
A filmografia de Quentin Tarantino é conhecida mundialmente como sinônimo de violência recheada com altas doses de ação, sarcasmo
e (muito) sangue. A cada anúncio de uma nova obra do diretor, sua
legião de fãs espera ansiosa por mais um pouco desse conjunto descrito
como padrão – e com a divulgação de Era Uma Vez em... Hollywood não foi diferente. Se
especulou muito sobre o que esse longa-metragem abordaria, afinal ele
começou a ser promovido como uma produção que coexistiria com o
assassinato da atriz Sharon Tate. O público esperou de um tudo, mas nenhuma teoria os preparou para a surpresa do que está por vir.
Once Upon a Time... in Hollywood (título original) descreve uma trajetória diferente do que já se viu na arte de Tarantino. Mesmo
com uma carreira extensa e extremamente original, onde cada nova
produção representa um universo repleto de inovações, seus filmes sempre
trouxeram propostas semelhantes ao retratar a sua temática fundamental:
a violência. Os traços de exagero – seja no sangue, sejam nas cenas de
luta ou morte – e o humor ácido e satírico moldaram múltiplas dinâmicas
que variam desde o controlado Jackie Brown (1997) até o espalhafatoso À Prova de Morte (2007). A estrutura de sua nona criação se organiza, contudo, de forma diferente. Tarantino quebra qualquer expectativa com seu novo filme que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (15).
É preciso entender que Era Uma Vez em... Hollywood comporta todas essas características tarantinescas.
A violência não deixa de ser tema central, o sangue não deixa de
aparecer e o humor continua existindo na mesma medida, porém esses
fatores são vistos sob uma nova perspectiva. Tarantino transforma seu
nono filme num conto intimista sobre a Hollywood que ele conheceu desde
novo. Essa é a sua ode ao universo que o abraçou e nunca mais o deixou
ir embora. E é essa pessoalidade tão palpável que faz do longa
inusitado. Esse olhar sensível e próprio sobre um momento onde
literalmente tudo mudou na célebre Los Angeles é a sacada que eleva a
obra do diretor e roteirista para um novo patamar.
Essa
ficção inspirada no real tem um claro enfoque nas personagens. Mais do
que nunca Tarantino aposta em figuras (reais ou não) cheias de camadas
para dar liga a sua história. Em cena,
essas personalidades são o elemento número um dessa jornada pela
Hollywood de 1969. A profundidade das personagens e o tempo investido em
seus dilemas criam uma narrativa sólida e emocionante.
Once Upon a Time... in Hollywood funciona como uma história palpável feita por alguém que presenciou
o fim da era de ouro do cinema hollywoodiano ao mesmo tempo que a
Cidade dos Anjos viveu o fim de sua inocência. O brutal assassinato da
atriz Sharon Tate e de seus amigos na fatídica noite de 8 de agosto de
1969 mudaram os rumos e as dinâmica de sua sociedade. Dessa forma, o
longa se configura como uma homenagem tanto ao mercado cinematográfico
que Tarantino cresceu assistindo e se apaixonou,
como aos envolvidos nessa nova realidade. A presença de Margot Robbie
no filme funciona como uma espécie de presença angelical que traz paz e
leveza em contraponto as dinâmicas e aos dilemas sofridos de DiCaprio e
Pitt.
Talvez
o único defeito dessa produção seja o ritmo que demora que tomar forma
e, consequentemente, prender a atenção do espectador. Contudo, assim que
você está imerso nas histórias de cada uma das personagens, não há mais
como fugir da narrativa. Tarantino se provou, pela nona vez, um
brilhante cineasta. Com uma carreira cheia de louros, o diretor cria uma
obra que expande ainda mais as suas possibilidades como artista e
mostra para o mundo que ele ainda tem muito o que mostrar. A inesperada
sensibilidade que abraça a produção do início ao fim é de arrepiar.
As
referências a cultura pop e a metalinguagem entre realidade e ficção
formam uma transparente obra-prima que transborda talento, amor e cuidado com a responsabilidade do fazer cinema. Quentin Tarantino acaba de entregar para o mundo a sua mais nova,
surpreendente e emocionante criação.
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